O Brasil está enfrentando uma crise silenciosa que pode comprometer toda a sua cadeia logística: a profissão de caminhoneiro está desaparecendo. Em apenas uma década, o país perdeu impressionantes 22% dos motoristas de caminhão, um total de 1,2 milhão de profissionais que deixaram as estradas brasileiras.
Os números são alarmantes. Segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) analisados pela consultoria de logística ILOS, o Brasil tinha 5,3 milhões de motoristas habilitados nas categorias C, D e E em 2014. Hoje, esse número caiu para apenas 4,1 milhões uma redução de 1,2 milhão de profissionais.
Uma Profissão Cada Vez Mais Velha
Não é apenas a quantidade de caminhoneiros que preocupa, mas também o envelhecimento acelerado da categoria. A idade média dos profissionais saltou de 38 anos em 2014 para 46 anos em 2025, um aumento de oito anos em apenas uma década, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTA).
Os jovens simplesmente não querem mais seguir essa carreira, e os números confirmam essa tendência preocupante.
Por Que Ninguém Mais Quer Ser Caminhoneiro?
1. Baixa Remuneração e Condições Precárias
A desvalorização salarial é um dos principais fatores que afastam novos profissionais:
– Motoristas CLT: metade recebe entre R$ 2.562 e R$ 4.020
– Mediana salarial: apenas R$ 3.120
– Caminhoneiros autônomos: trabalham 12 horas diárias e recebem R$ 39,50 por hora, resultando em renda bruta de cerca de R$ 10 mil mensais, que diminui significativamente após descontar combustível, pedágio e manutenção
Além dos baixos salários, os profissionais enfrentam:
– Longas jornadas de trabalho
– Falta de segurança nas estradas
– Ausência de pontos de descanso adequados
– Baixa valorização da categoria
2. Infraestrutura Parada no Tempo
Enquanto a frota de caminhões cresceu 50% (de 5,3 milhões em 2015 para 8 milhões em 2025), a infraestrutura mal se moveu:
– Rodovias pavimentadas: aumentaram apenas de 211,1 mil km para 216,9 mil km
– Isso representa apenas 12,6% da malha total de 1,7 milhão de quilômetros
– A dependência do transporte rodoviário aumentou de 61,1% para 64,8% das cargas movimentadas
Como alerta José Amaral Filho, superintendente da ANTT: “O Brasil vem batendo recorde atrás de recorde na produção de grãos, mas não vem acontecendo o mesmo com a expansão dos profissionais da categoria de transporte”.
3. Drogas, Fadiga e o Exame Toxicológico
Um dado chocante: um em cada quatro caminhoneiros (25%) admite ter usado rebites ou outras substâncias para aguentar longas jornadas e especialistas acreditam que esse número seja ainda maior.
A implementação do exame toxicológico obrigatório em 2016 coincide exatamente com o início da queda no número de habilitados. O exame revelou um problema muito mais grave do que se imaginava:
– Cocaína aparece em 90% dos testes positivos
– Atualmente, 2,5 milhões de condutores estão com o exame toxicológico vencido
– Muitos estados simplesmente não aplicam as penalidades previstas
Como denuncia Rodolfo Rizzotto, fundador da SOS Estradas: “É como permitir que alguém dirija uma arma de destruição em massa sem controle. Há uma omissão generalizada dos órgãos estaduais”.
4. Acidentes Fatais
A defasagem estrutural e as condições precárias se refletem em estatísticas trágicas: caminhões estão envolvidos em mais da metade dos acidentes com vítimas fatais nas rodovias federais, segundo dados do IPTC (2024).
O Que Está Sendo Feito?
Apesar do cenário preocupante, há alguns esforços pontuais:
No setor privado:
– Programas de capacitação para atrair jovens motoristas
– Incentivo ao ingresso de mulheres na profissão
– Implementação de tecnologias: caminhões automatizados e plataformas de frete digital
– Condições mais seguras e tecnológicas nas estradas
No governo federal:
– Ampliação dos pontos de parada e descanso (atualmente 94 locais credenciados ainda insuficiente)
– Linhas de crédito subsidiado para renovação da frota
– Programas de capacitação em parceria com Sest/Senat
– Foco na inclusão de jovens e mulheres na profissão
O Risco de um Apagão Logístico
A equação é simples e preocupante: o Brasil depende cada vez mais do transporte rodoviário, mas tem menos caminhoneiros e piores estradas. Com profissionais envelhecendo, salários baixos, longas jornadas e omissão na fiscalização, o país caminha para uma crise que pode paralisar sua economia.
Como alertou Norival de Almeida Silva, presidente da Fetrabens: “A recomendação é não esperar o apagão no transporte para olhar para a situação dos caminhoneiros autônomos”.
É urgente que governo, empresas e sociedade olhem com mais atenção para essa categoria essencial. Sem caminhoneiros, não há comida nas prateleiras, produtos nas lojas ou insumos nas fábricas. A roda precisa continuar girando mas quem vai estar ao volante?
Fonte: [UOL](https://www.uol.com.br/carros/colunas/paula-gama/2025/10/31/profissao-em-extincao-brasil-perde-um-quarto-dos-caminhoneiros-em-10-anos.htm)